Nem sei com cheguei em casa. Estava
sob o impacto da notícia, parecia atordoada, desorientada. Aquele resultado
positivo mexera comigo profundamente, trazendo à tona as dores que minha alma
estava sentindo naquele momento de solidão. Dor da rejeição, dor do abandono,
dor do fim... Tudo o que eu queria naquele momento era recostar minha cabeça no
ombro do meu homem e ali descansar por horas, tendo suas mãos acariciando meus
cabelos, fazendo-me esquecer de tudo e adormecer como nos contos de fada. Mas
não havia contos de fada, não havia suas mãos a me acariciar, não havia mais
amor ao meu redor. Não havia mais os beijos molhados e cheios de desejos que
sempre marcaram o nosso romance.
Mas agora eu estava sozinha, com uma criança em
meu ventre, e deveria seguir meu caminho sem o homem que eu tanto amava. Eu desejava que aquilo fosse um
pesadelo e que, quando eu despertasse no dia seguinte, ele estivesse batendo em
minha porta pedindo para voltar, dizendo que tudo havia sido um grande equívoco
de sua parte. Eu olhei para a enorme sala de meu apartamento e vi apenas um
grande vazio no local onde, tantas e tantas vezes, nós fôramos um só, corpos
grudados, pernas entrelaçadas, beijos, carícias... Ele era um homem desejado, e quando
saíamos juntos eu via olhares gulosos de outras mulheres pra cima dele. Não
gostava muito, porém não ficava com ciúme, pois quem estava com ele era eu. Mas
agora ele poderia dar corda a todas que lhe abrissem o sorriso com claras
segundas intenções. E eu não poderia fazer nada, a não ser ver com tristeza, à
distância, mesmo com o ciúme corroendo por dentro.
O que restara dele para mim
estava em meu ventre, uma vida que já habitava em mim há algumas semanas, e que
em breve começaria a despontar em minha barriga. Naquele momento de tristeza,
triste e decepcionada, eu estava decidida a não contar a ele sobre a criança.
Ele poderia ter filhos com quem quisesse, poderia fazer de sua vida o que bem entendesse,
mas meu filho seria só meu. Era egoísmo meu da minha parte pensar assim, mas
naquele momento estava tomada de dor e tristeza no coração. Pensava que, por
ter tudo e qualquer uma a hora que quisesse, não precisaria da criança em minha
barriga. Porém, mas mesma hora em que pensava assim, que tinha vontade de
xingá-lo, de estapeá-lo, o amor falava mais alto e aí eu me esquecia dos
tormentos e desejava tê-lo em meus braços novamente.
Tentando me esquecer de
tudo aquilo, resolvi tomar um banho morno. Fui ao quarto e em seguida me dirigi
ao banheiro, largando as peças de roupa pelo chão. Enquanto me ensaboava, me
recordava dos momentos que vivi ao lado dele, das palavras doces e quentes, das
noites de amor... e pensando naquilo, passei as mãos delicadamente em minha
barriga reta e sem qualquer sinal ainda de gestação visível. Ali dentro havia um pedaço dele, um
serzinho que logo começaria a crescer e viria ao mundo para me tirar da
solidão. Nada fora por acaso, tudo tivera um propósito, foi o que pensei. Saí
do banho e fui direto para a cama. Caí de exausta, e dormi por horas a fio.
Quando despertei já era fim da tarde. O telefone tocara várias vezes, mas eu,
em estado de sono profundo, não ouvira nada. Soube depois, por uma amiga que
ligara tentando falar comigo. Abri os olhos sentindo como se tivesse dormido
por cem anos. Meus olhos pareciam preguiçosos, não querer voltar a ver a vida
real em que me encontrava. Mas apesar da preguiça, conseguira dormir bem,
estava mais disposta.
Naquele momento, pensava em falar com alguém, não
desejava ficar com toda aquela dor guardada no peito. Já não podia ficar
guardando sentimentos que me fizessem mal, agora havia mais uma pessoa para dar
todo o meu amor, e ela não podia receber más vibrações que viessem de meu
coração. Mas eis que recebi o telefonema de uma amiga que andava sumida. Não
por não gostar mais de mim, mas porque a vida dela era tão atribulada quanto a
minha. Mas ela sabia do meu romance com ele, afinal, era uma das amigas em
comum e havia nos apresentado. Senti a voz dessa minha amiga tão serena, mas um
tanto quanto entusiasmada. Estava feliz com alguma coisa, era nítido. Naquele momento, éramos a ponta das
extremidades: ela feliz da vida e eu triste de morrer. Enquanto falávamos pelo
telefone, ela percebia minha voz mudada, embargada, chorosa. Disfarcei dizendo
que estava gripada, mas, esperta do jeito que era, minha amiga não acreditou e
pediu que eu contasse o que estava havendo. Não quis falar por telefone, então
marcamos um encontro naquela tarde mesmo.
Ela me convidou para ir até sua casa,
o que aceitei prontamente, pois adorava estar com ela, e sua casa era
acolhedora. Enquanto dirigia meu carro até o bairro dela, procurei não pensar
em meu problema para não causar nenhum acidente. Sempre fora uma motorista
muito consciente, e gostava de dar exemplo. Até porque eu teria alguém a quem
dar exemplo, por isso eu deveria ser ainda mais atenta, ainda mais ao anoitecer
que, na Cidade Maravilhosa, costumava virar um caos no fim da tarde. Ela me
recebeu com muito carinho, como de costume, e alegria nos lábios e nos olhos.
Logo senti que pairava felicidade no ar. Naquele momento eu estava tranquila,
serena, de coração aberto para ouvir as confissões da minha amiga. O que me
importava era saber de sua felicidade. Se tivesse algum tempo, contaria do meu
sofrimento. Ela me contou de seu romance, como
estava feliz, como a vida estava sendo maravilhosa para ela. Eu ouvi tudo
atentamente, mas no fundo desejava ter um romance feliz para mim também. Não
era inveja, era apenas a carência batendo forte no peito. Ela ia me falando dos
momentos maravilhosos que estava passando ao lado de seu novo amor, mas ela ia
percebendo que enquanto falava, lágrimas brotavam de meus olhos. De tanto
insistir na pergunta sobre o que se passava comigo, acabei me abrindo. Aí não
aguentei a dor e desabei em pranto. Minha amiga me abraçou carinhosamente e
quis saber a verdade. Então lhe contei tudo, não escondi nada.
Ela não entendeu o porquê da atitude
dele, mas me prometeu que conversaria com ele. Pedi que não, que as coisas já
estavam se encaminhando, mas ela insistiu no assunto, ainda mais sabendo da
criança que já era uma realidade. Ficamos conversando por mais um tempo até eu
ir embora. Ela queria que eu dormisse em sua casa, mas como não estava
preparada, sem roupas extras nem nada, preferi ir embora. Já estava tarde e as
ruas já estavam mais calmas, porém, ficavam suscetíveis a ação de delinquentes. Mal cheguei em casa, caí no sofá e
adormeci. Nos dias que se passaram não tive notícias dessa minha amiga, pensei
até que ela estivesse viajando. Meu celular eu deixei desligado por alguns
dias, para evitar que me ligassem. Eu não queria receber qualquer ligação dele,
caso ela tivesse lhe contado sobre o bebê. Sim, eu o amava, e muito, porém
estava com o coração partido, ferido, magoado. Minha tristeza era quase do
tamanho do meu amor por ele.
As festas de fim de ano se aproximavam e eu estava
com ideia de viajar, até para ficar longe de tudo o que estava me deixando
triste. Ainda mais depois que eu o vi
acompanhado em algumas vezes, sempre com a mesma mulher, que era bonita, por
sinal. E aquilo acabou comigo. Embora minha amiga, que o conhecia, me dissesse
que não fosse nada de sério, vê-lo com outra era um atestado da minha
incompetência como mulher, como amante... como alguém que estava amando, porém
seu amor era insuficiente para segurar o homem amado. Os enjôos sentidos já nem
eram tão terríveis quanto a minha solidão interna, a minha carência afetiva.
Sentia-me a pior pessoa do mundo, a mais desgostosa, a mais inútil, que não
conseguia manter um amor. E enquanto eu me sentia assim, minha barriguinha ia
crescendo, mostrando a mim que ali havia uma vida que crescia e queria que eu doasse
mais de mim, ao invés de gastar minhas lágrimas com outra pessoa.
Tratei de
cuidar de mim e ficar bonita para meu filho, afinal, ele seria minha única
companhia para a vida inteira, como eu imaginava. Meu corpo exibia uma silhueta
linda, curvas acentuadas e uma barriguinha que despontava de forma charmosa e
sexy. Minha pela até parecia melhor, mais sedosa e macia. Os desejos sexuais
continuavam em alta, aflorados, mas agora não tinha com quem satisfazê-los.
Minha amiga cumpriu sua palavra de não contar nada a ele sobre o bebê quando o
encontrou, apesar da enorme vontade. Ela atendeu ao meu pedido. Porém, a vida
sempre dá um jeito de nos passar a perna, ou pelo menos mudar os rumos dos
nossos planos. No início de dezembro, em pleno entardecer, eu passeava no
calçadão usando uma roupa justa, deixando à mostra minha barriga de quatro
meses. Estava sozinha, com meu mp3, ouvindo minhas músicas para relaxar. Estava distraída, porém, ao ver
aquele homem conversando com um amigo no calçadão, imediatamente fiquei em
alerta, com o coração na boca. Como estava a uma certa distância dele, fiquei
extática, observando a expressão dele, que era séria. Estava sem mulher nenhuma
ao lado, apenas ele e um amigo. Não sabia se estava ou não sozinho, mas àquela
altura do campeonato eu já não me importava mais. Agora havia uma pessoinha a
quem dedicar todo o meu amor, carinho e atenção. Apesar de ainda o querer
muito, sonhar com ele, sentir saudades e chorar de emoção ao ouvir uma doce
canção. E ao revê-lo depois de três meses apenas pude comprovar o quanto eu não
o havia esquecido, o quanto eu o queria...
Após os segundos de êxtase
observando-o, tratei de apressar o passo, afinal, estávamos na mesma calçada, e
eu queria evitar que ele me visse. Só que não consegui. Ao começar a andar, ele
olhou na minha direção, como se soubesse que eu estava ali. Nossos olhos se
encontraram e eu tive vontade de chorar. Vi que ele desceu os olhos na direção
da minha barriga, e voltou a me olhar, com uma expressão de surpresa e espanto.
Como se ele acreditasse ser o pai, mas que não imaginava que aquilo pudesse ter
acontecido. E como ele não disfarçou, o amigo dele acabou olhando também, e sei
que ele comentou alguma coisa assim que eu passei. Foi um momento constrangedor
para mim. Nos dias que se seguiram, meu celular tocou algumas vezes, mas não
atendi. Somente quando foi chamada da minha amiga, identificada.
Ela queria
falar comigo, e eu não desconfiei de nada. Marcamos de nos encontrar e assim foi.
Ela me disse que ele havia ligado para ela falando que havia me visto e queria
saber sobre a minha gravidez, se era dele, enfim. Fiquei incomodada com aquele
assunto, estava decidida a virar a página, e agora que estava seguindo o meu
caminho, ele queria saber, não de mim, mas da criança que eu carregava e que,
sim, era dele, mas se dependesse de mim, nunca iria saber a verdade. Minha amiga
gostava muito de mim, mas entendia que minha revolta tinha passado do ponto,
pois se ele a procurara era porque se interessava. E me perguntou se eu ainda o
amava. Meu coração deu um soco no meu peito, tão forte aquela pergunta me
atingira. Confirmei sem titubear, e ela me disse que eu devia, em nome desse
amor, esquecer o que se passara e falar sobre o bebê com ele. Engolir o orgulho
seria uma tarefa pra lá de difícil pra mim, mas sabendo que meu filho precisava
de um coração vazio de sentimentos negativos e inteiro só pra ele, assenti. Mas
ela que falasse com ele, eu não me moveria. Ela concordou.
Mais alguns dias se passaram e nós
duas nos encontramos em um restaurante. Apesar de ali não ser o local mais
apropriado para um DR, foi onde nos reencontramos após três meses e com muitas
mudanças no ar. Eu e minha amiga estávamos sentadas em um canto mais reservado
do restaurante, até para ninguém ficar prestando atenção em nossa conversa. Ao ouvir
a voz dele dizendo “oi”, meu coração palpitou freneticamente, e minha vontade
foi de agarrá-lo ali mesmo, na frente de todos. Nos olhamos e vi muita ternura
naqueles olhos que arrebataram o meu coração. Disfarcei o máximo que pude para não
deixar uma lágrima rolar em meu rosto. Teria que tirar forças jamais imaginadas
de dentro de mim para que ele visse que eu estava sobrevivendo sem ele. Ele sentou-se de frente para mim, e
minha amiga saiu para nos deixar a sós.
A primeira coisa que perguntou foi
sobre o bebê, e eu demorei alguns instantes para dizer a verdade, após um longo
suspiro. Os olhos dele, surpreendentemente, marejaram. Em seguida, ele sorriu. Mas eu estava
na defensiva, desconfiada, ainda me recordando da última vez em que nos
víramos. Entre explicações e argumentos, ficamos por cerca de quase duas horas
conversando. Nesse tempo, chorei, ele também se emocionou, ainda mais quando
tocou minha barriga e sentiu o bebê mexer. Aí, chorou e me pediu perdão. Eu disse
que não tinha o que ser perdoado, que estava tudo bem e que eu estava seguindo
o meu caminho. Para ficarmos mais à vontade, ele me
levou para a praia, que estava vazia devido ao mau tempo. Minha amiga, aliás,
nossa amiga, nos seguiu um pouco mais afastada. Foi estando em pé que ele notou
quão bonita estava a minha barriga, pontudinha e já à mostra. Diante dos apelos
dele, do choro, dos pedidos de volta, eu não resisti e o aceitei de volta. Afinal,
quem ama perdoa e faz um novo recomeço ao lado de quem se ama. E agora seríamos em três, o início
de uma pequena família, com o amém dos anjos.